2 de jun. de 2009

O Fim de uma Era ... e o que podemos aprender com a GM

Pois é ... na última segunda-feira, dia 31 de maio de 2009, a primeira empresa verdadeiramente moderna da indústria automobilística, recriada em 1920 pelo gênio Alfred Sloan, e totalmente gerenciada por números até os dias de hoje, pediu concordata. Esse fato foi analisado pelo guru dos Sistemas de Produção Enxuta, James P. Womack (criador do termo Lean), na última newsletter (02/06/2009) publicada pelo Lean Enterprise Institute sob o título "The End of an Era". Para Womack, esse dia marca o fim de uma discussão que persistia há mais de 30 anos, desde o começo do declínio da GM na recessão de 79. Ele diz que "Finalmente, o David derrubou o Golias, exatamente quando o Golias estava começado a prestar atenção na mensagem da gestão enxuta".

Analise bem este cenário:

  1. A GM possuia fábricas competitivas em termos de produtividade e qualidade;
  2. A GM possuia um processo de desenvolvimento de produto competitivo;
  3. A GM estava consolidando um sistema de produção global consistente, baseado nos princípios e práticas do Lean Manufacturing, mesmo depois de falhar por uns 15 anos na adoção do modelo com o apoio da própria Toyota (vide NUMMI);
  4. O modelo de gestão enxuta estava sendo adotado em todos os processos da empresa, até mesmo nos processos administrativos e de negócio.

Por que então a GM quebrou desse jeito? Simples! Porque todo esse movimento de renovação da gestão organizacional começou tarde demais! Na concordata, a GM mostrou para todos que ela não era lucrativa nem que ela sabia fazer gestão. Como assim? Que absurdo falar que uma empresa do tamanho da GM não sabia gerenciar seu próprio negócio! Pois é, Womack fala que o problema não estava na gestão dos números, uma vez que toda a Alta Direção era proveniente da área de finanças. O problema estava na concepção equivocada sobre qual o papel da gerência diante da organização e da sociedade. Em termos mais simples, podemos ter uma idéia do que ele quer dizer fazendo as seguintes perguntas:

  • Cadê o novo Sloan?
  • Onde está aquele líder capaz de repensar a missão da empresa e sua forma de gestão a fim de torná-la mais uma vez relevante para os americanos?
  • Mesmo que encontremos um líder, será que ele terá liberdade para tratar dos problemas e reconstruir a glória original da empresa com idéias inovadoras?
  • Será que as crenças arraigadas daquela gestão fria e calculista, que empurrou a empresa para o precipício, não irá impor barreiras para um novo modelo de gestão organizacional?

Sloan reconstruiu a GM no começo do século XX vendendo o "sonho americano" do carro luxuoso, o sonho do Cadillac. Só que o atual sonho dos americanos, e da grande maioria da população mundial, é do carro ecológico, barato e de baixo consumo de combustível, preferencialmente feito à base de energia limpa. Que mercado resta então para a GM diante de um atraso tecnológico no desenvolvimento dessa categoria de automóveis? O que fazer diante da concorrência que já possui automóveis rodando nas estradas alimentados por hydrogênio e eletricidade? Quanto a isso, só o tempo dirá ...

Pensem agora na área de software ... será que os 30 anos de debates aos quais Womack se refere (entre modelos de gestão industrial) começaram para nós na publicação do Manifesto Ágil, em 2001, ou na publicação do Objectory por Ivar Jacobson, em 1988 (primeira versão do modelo que viria a se transformar no RUP, em 1998). Pois bem, já faz 20 anos desde a disseminação do modelo de Use Cases e muita gente ainda não sabe como isso funciona! Sem falar naquelas pessoas que não compreendem ou não querem compreender (conheço várias) o paradigma de orientação à objetos ... Em 30 anos, a indústria automobilística evoluiu tanto a tecnologia e os requisitos mínimos de desempenho, segurança e conforto que até mesmo um carro popular da atualidade pode superar diversos modelos de luxo da década de 70 (na relação custo x benefício). Nossa área evoluiu consideravelmente nos últimos 5 anos, mas ainda muitos de nossos representantes permanecem consumindo modelos e tecnologias defasadas, sem nem passar pela mente termos como Releases, Sprints, TDD, Refactoring, Continuous Integration, Retrospectives, etc.

O que podemos pensar de tudo isso se compararmos essa "nova era" da indústria automobilística ou da gestão industrial com a revolução do desenvolvimento de software promovida pelos Métodos Ágeis? Será que em 2031, 30 anos após a publicação do Manifesto Ágil, os modelos tradicionais de gestão que conhecemos ainda estarão presentes em nossas empresas? Ou a queda de alguns impérios (como diversas fábricas de software que atuam estritamente com base no modelo taylorista de gestão empresarial) fará com que uma nova visão da gestão criativa do desenvolvimento de software consolide nossa nova era?

O que sei é que também precisaremos de líderes! Precisaremos de "gerentes" criados dentro de ambientes baseados numa cultura enxuta! Baseados numa cultura de excelência focada no ensino, aprendizagem e auto-gestão. Se começarmos agora, talvez em 2020 possamos colher os primeiros frutos na nova geração ... nossos novos líderes de projetos de software!

Por fim, Womack deixa claro em sua carta que até mesmo a Toyota não escapa da crítica diante dos resultados negativos que apresentou nesta última crise financeira. Ela cresceu mais rápido do que sua capacidade de desenvolver novos gerentes competentes para manter a cultura Lean e desvirtuou sua estratégia de crescimento para se tornar a maior organização da indústria automobilística, perdendo o ideal de ser a melhor organização para a solução dos problemas de seus clientes. Essas ações foram contraditórias ao próprio pensamento Lean e repercutiram nos últimos resultados financeiros da empresa.

Que lições podemos aprender de tudo isso?

  1. Não devemos deixar para amanhã o que podemos e devemos começar ainda hoje!
  2. O que parece lindo por fora pode estar podre por dentro ...
  3. Mesmo os mestres podem cometer erros em momentos difíceis ...
  4. É difícil transmitir arte, filosofia e sabedoria para nossas futuras gerações ...
  5. Adote um modelo vencedor para sua vida e não perca o foco na realização desse modelo!

Desejo muito sucesso para todos vocês!

7 comentários:

Eduardo Bobsin disse...

Ótimo post!
Uma observação... A lição 1 não vai de encontro a um dos princípios do Lean Software Development, que é "Defer Commitment"? :)

Abraço!

Parzianello, L.C. disse...

Grande Bobsin! Obrigado pelo comentário! Quanto a sua pergunta, realmente pode parecer contraditório, mas observe bem a expressão "podemos e devemos começar ainda hoje" ... Se DEVEMOS começar algo e nada nos impede de fazê-lo (ou seja, PODEMOS), por que não iniciá-lo? O contraponto ao "defer commitment" está no devemos. Se não temos informações suficientes para julgar que devemos fazer algo, nós postergamos a decisão. Caso contrário, se já temos as informações e também a decisão, começaremos a estocar planos de ação. []´s

Rildo Santos (rildo.santos@etecnologia.com.br) disse...

Grande reflexão. Entretanto, a GM era simbolo capitalismo que ao longo do tempo deixou de fazer a lição de casa: esqueceu da disciplina ; gestão eficiênte e observar os concorrentes.

Julio Viegas disse...

Excelente post!

Alem da falta de visao no ponto de vista de engenharia de producao, a GM perdeu sua grande chance de revolucionar seu mercado: o EV1.

Assistam o documentario *Quem matou o carro eletrico*, lah eh explicada toda a historia do EV1.

Mari Trankila disse...

LC,
muito boa a sua análise e comparação.
Tocou em um ponto super crítico das organizações hoje, principalmente aquelas da área de TI.
Não sei se é uma visão muito equivocada ou radical, mas sinto que a grande maioria das empresas hoje ainda utiliza o Cascata para desenvolver software e não dão ouvidos qud sugerimos algo mais atual que tenta não repetir os mesmo erros do passado.

Eduardo Cordeiro disse...

Luiz, abordagem muito interessante! Acho que tuas conclusões são inspiradoras.

Joel disse...

Ótimo comentário!